Reflexão: 6 milhões de famílias sem casa; 6 milhões de imóveis vazios no Brasil
O incêndio e consequente desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida no centro de São Paulo despertou atenção ao problema da falta de moradias no Brasil. Um problema crônico e de profunda relevância social. De acordo com o Departamento da Indústria da Construção da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o déficit habitacional brasileiro é de 6,198 milhões de famílias.
Uma série de questões históricas, econômicas e culturais tem colaborado para tamanha catástrofe social. O resultado disso é que nossas cidades estão tomadas por moradias de baixa qualidade, em áreas de risco de deslizamentos e/ou enchentes, loteamentos clandestinos e a expansão desenfreada de áreas urbanas. Isso sem contar as ocupações e invasões.
O incêndio do edifício escancarou a face cruel do problema que exige dos poderes públicos respostas sérias e efetivas. Mas elas parecem estar longe de aparecerem.
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TAMANHO DO DÉFICIT HABITACIONAL: 6 MILHÕES vs. 6 MILHÕES
É impressionante e contraditório. O número de famílias sem residências no país fica em torno de 6 milhões. O mesmo número de imóveis vazios, de acordo com o urbanista Edésio Fernandes, professor da UCL (University College London). Chegamos a esta condição, mesmo havendo um princípio constitucional básico de que as propriedades precisam cumprir sua função social.
E o que seria a função social? Um imóvel residencial, por exemplo, deve servir à sua função de moradia. Esta é, portanto, a forma de evitar imóveis com longos períodos inutilizados, independentemente do motivo.
O que diz a Constituição Federal:
Art 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
(…)
- 2° A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
A Constituição também reafirma que é direito o acesso à moradia de todos os brasileiros.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Caberia aos municípios brasileiros os mecanismos para impedir que imóveis deixassem de cumprir sua função social e/ou impedir que o problema da falta de moradia se agravasse a tal ponto.

O incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida escancara o problema do déficit habitacional. || Imagem: Rovena Rosa /ABr
ALTO PREÇO DOS ALUGUÉIS
Qual alternativa terá milhões de pessoas quando o custo para arcar o aluguel de uma moradia chega ao limite ou até ultrapassa sua renda total? Se não houver quem possa oferecer um espaço para coabitar (amigos ou familiares), elas basicamente são as áreas de risco e loteamento irregulares, as ocupações ou as ruas.
De acordo com o jornal Folha de São Paulo, estudo da Fundação João Pinheiro demonstra que mais de 3 milhões de famílias brasileiras comprometiam um valor superior a 30% de sua renda com aluguel de moradia em 2015. Alta de mais de 80% quando comparado a 2007.
O alto custo do aluguel é um dos principais fatores elencados por movimentos de sem-teto para invasões de prédios, às vezes em condições precárias. O valor dos aluguéis cresceu consideravelmente nas maiores cidades brasileiras na última década. Além da crise econômica que levou muita gente ao desemprego e correu o poder de compra.
SÃO PAULO TEM APARTHEID HABITACIONAL
A maior e mais rica cidade do país apresenta um problema social muito sério. No entanto, boa parte da classe média o ignora por completo. Quem vê os milhares de edifícios de apartamentos – muitos deles luxuosos, talvez não acreditem que 1,2 milhão de pessoas não tem moradia ou vive de forma precária. O déficit habitacional na capital paulista é de 358.000 residências.
Na cidade há 206 ocupações onde vivem 45 mil famílias de acordo com a prefeitura. “Existe um estado de verdadeira emergência habitacional em São Paulo. O indicador disso é a explosão de ocupações não apenas de prédios vazios, mas também de terrenos na extrema periferia”, observa Raquel Rolnik, professora de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo.
Grupos de ocupações
As ocupações seguem a filosofia anarquista dos okupas (ou squatters), que surgiu na década de 60 na Europa, e cresceu nos anos 80. Eles assumem edifícios que estão vazios há muitos anos como ação política para denunciar o déficit de moradias para quem mais precisa. É também um instrumento de pressão para que o poder público assuma uma política mais antenada com a urgência da sociedade.
Estima-se que só em São Paulo exista cerca de 100 movimentos organizados com esse propósito, segundo cálculo de Luiz Kohara, doutor em Urbanismo pela USP, que estuda esses grupos e acompanha a questão da política de moradia na capital paulista.
MINHA CASA, MINHA VIDA
Lançado no ano de 2009, o programa Minha Casa, Minha Vida é um ambicioso projeto que visa aumentar a quantidade moradias e de disponibilidade de casas próprias. O programa, do governo federal, opera em conjunto com os Estados e municípios. Uma de suas características são as diferentes faixas de renda e do tipo de moradias.
O MCMV opera desde a construção de residências, entregues sem qualquer contrapartida à população até o financiamento facilitado de casas e apartamentos por meio da Caixa Econômica Federal.
Mas após quase uma década qual foi o resultado? Alguns estudos, como o da Fundação João Pinheiro, demonstram que o MCMV não foi capaz de cumprir seu objetivo principal. O déficit por moradias continua alto e a faixa mais vulnerável sem acesso á casa própria. Na cidade de São Paulo, por exemplo, apenas o programa destinou apenas 8% das unidades habitacionais às faixas mais vulneráveis. Ou seja, de pessoas com renda familiar de até R$ 1.800,00.
Um programa de infraestrutura e fomento à construção civil
Para a consultora do Senado Rita Fonseca, o Programa Minha Casa, Minha Vida não minimizou significativamente o deficit habitacional porque a prioridade dele não era essa. Segundo ela, o real objetivo da política pública era mitigar os efeitos da crise financeira internacional na economia doméstica. Sendo assim, foi um programa de infraestrutura, um programa voltado ao fomento da construção civil mais que políticas de habitação.
O arquiteto e professor Raymundo De Paschoal vai mais longe: o plano Minha Casa, Minha Vida é o “relançamento do financiamento público pelo governo federal sem nenhuma originalidade, pois existe há mais de 40 anos, com o chamado Sistema Financeiro da Habitação, implantado pelo regime militar. Um plano sem metas, sem etapas e sem aplicação quantitativa e qualitativa por regiões. Traz até uma “inovação” em planejamento: não tem prazo”.
Além disso, há outros problemas relacionados ao programa. Em geral, nas residências entregues em conjuntos habitacionais às faixas mais vulneráveis, não houve acompanhamento de estrutura habitacional básica. São bairros em regiões distantes do centro da cidade, com carência de transporte, atendimento de saúde e educacional. Sem contar a baixa qualidade das construções, devido á pouca fiscalização junto ás construtoras.
Mas houve avanços…
No entanto, o programa tem sim seus méritos. Na comparação entre o déficit habitacional de 2014 e o de 2010, observa-se uma redução de 742,4 mil famílias. O déficit passou de 6,941 milhões de famílias em 2010 para 6,198 milhões de famílias em 2014. Isto significou uma queda de 2,8% ao ano. Houve retração do déficit habitacional em todas as regiões do país, com destaque para a região Norte. Nesta região, a queda foi de 6,4% ao ano, com redução absoluta de 192 mil famílias. O Nordeste do país também apresentou uma redução expressiva do déficit habitacional (3,0% ao ano). O destaque fica para a Bahia, onde 115,6 mil famílias deixaram o déficit habitacional, o que equivale a uma queda de 6,1% ao ano entre 2010 e 2014.
Por outro lado, a região Sudeste não apresentou números tão expressivos. A taxa média de queda foi de 1,4% ao ano, passando de 2,674 milhões de famílias no déficit habitacional em 2010 para 2,562 milhões de famílias, em 2014. No Rio de Janeiro, a taxa média de queda foi maior, de 2,9% ao ano.
PROBLEMA EM PAÍSES DESENVOLVIDOS
Para o urbanista Edésio Fernandes, o desabamento do edifício em São Paulo lembra muito o incêndio que consumiu o Grenfell Tower. O prédio de 24 andares e com 127 apartamentos em Londres pegou fogo em 2017 matando 71 pessoas. O edifício abrigava pessoas de baixa renda foi usado material inflamável e de baixa qualidade em uma reforma antes da tragédia.

Grenfell Tower em chamas. O incêndio expôs problemas com habitação também no Reino Unido. || Imagem: Natalie Oxford/AFP
E POR ONDE PASSA A SOLUÇÃO DO DÉFICIT HABITACIONAL?
Devido nossas características históricas e sociais é difícil, mas não impossível, solucionar o problema do déficit habitacional. As cidades brasileiras, sobretudo após a industrialização dos anos 60 e o êxodo rural foram erigidas sob um forte privatismo de seu espaço.
As melhores áreas do solo urbano sempre foram ocupadas por pessoas de poder aquisitivo mais alto, relegando às bordas ou periferias os mais pobres. Sem contar o alto custo de comprar um terreno ou construção urbana.
O privatismo é tão exarcebado que mesmo a Constituição Federal deixando clara a função social da propriedade e possíveis sanções, tudo é atropelado.

Conjunto habitacional na favela de Heliópolis. || Imagem: Nelson Kon, Biselli Katchborian Arquitetos Associados
O caminho para a solução para por uma mudança de mentalidade política e da sociedade em geral. Além do desenvolvimento econômico e da melhoria da distribuição de renda – uma das piores do mudo. Ou seja, é um espectro bastante amplo que vai além somente do acesso ás casas.
Moradia social em regiões centrais
Fernando Chucre é arquiteto e secretário municipal de habitação em São Paulo. Para ele, políticas de moradias sociais em regiões centrais da cidade são viáveis, apesar de mais cara. “O benefício para a cidade é incalculável” – afirma.
“Temos que lembrar também que, num primeiro momento, produzir habitação social no centro é mais caro, mas o benefício que você traz para o município e para a população em termo de mobilidade, existência de infraestrutura e de emprego é incalculável. Ninguém coloca no preço do Minha Casa Minha Vida, ao fazer um empreendimento no extremo sul da cidade, que aquele cidadão trabalha na região central e se desloca duas horas para chegar no emprego dele. E que lá não tem vagas em escolas, em creches, e que você vai ter que fazer outros investimentos públicos. Essas são outras contas que você precisa colocar no cálculo da habitação”, em entrevista ao El País Brasil.
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